terça-feira, 25 de agosto de 2009

Feliz Aniversário


"Acreditar em algo e não vivê-lo é desonesto”.
Maratma Gandhi


É próprio da capacidade humana a condição de criar, fazer, planejar, realizar. O homem necessita do pulsar de suas vontades, da matéria de suas mãos e do colorido de suas fantasias! Sem sonho, é impossível ir adiante, sem sonho é impossível caminhar na vida.

Há, todavia, ainda no universo humano, aqueles que se detêm apenas e unicamente aos sonhos e passam o teor de suas existências planejando como seria se assim fosse. A cada sexta-feira teorizam soluções e resultados ora mirabolantes, ora simplórios, para os mais variados conflitos que nos cercam. São falazes capazes de resolver os problemas mais variados, mas que são incapazes de colocar seus projetos em ação na segunda-feira. Teóricos de ocasião, filósofos de mesa de bar, têm quase sempre a receita ideal para tudo, e tudo resolveriam se estivesse no meu ou no seu lugar.

Conhece alguém assim? Às vezes, nós mesmos somos assim.

Mas, como eu dizia, o homem só vive enquanto o seu sonho dura. E o idealismo é a escada para as grandes montanhas, a propulsão das invenções, dos empreendimentos, muitas vezes, acalentados por uma vida inteira. Alguns, dificílimos de serem enfrentados, outros nem tanto.

Assim, rendido em idealismos e admirador da crônica literária, nasceu o “Crônicas e Companhia”, que nunca teve e nem tem o propósito de ser grande ou pequeno, rico ou pobre, culto ou inculto, maior ou menor, belo ou feio, mas que se traduz genuinamente na materialização de mais uma vontade, de mais um sonho. Não apenas de um, mas de outros tantos companheiros que o germinaram e o adubaram até aqui com as suas publicações, opiniões, sugestões, comentários e criticas.

Seja como for, ei-lo aqui. Vivo, presente em nossos dias já há 753 dias.

Sem a obrigatoriedade com os acertos, mas também, sem compromisso com os erros, “Crônica e Cia" ao longo desses dois anos de existência, vem se propondo a ser mais um veículo de difusão desse gênero literário, de disseminação de cultura e de publicações de autores consagrados.

Desse modo, é com muita alegria que neste mês de agosto fazemos aniversário de (02) dois anos de existência ao tempo em que continuamos convidamos os internautas, colaboradores, incentivadores, críticos, enfim, a todos, a conhecer o nosso site e navegar conosco no mundo da crônica.

Obrigado a todos!

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Sondagem


O carteiro, conversador amável, não gosta de livros. Tornam pesada a carga matinal, que na sua opinião, e dado o seu nome burocrático, devia constituir-se apenas de cartas. No máximo algum jornalzinho leve, mas esses pacotes e mais pacotes que o senhor recebe, ler tudo isso deve ser de morte!


Explico-lhe que não é preciso ler tudo isso, e ele muito se admira:


─ Então o senhor guarda sem ler? E como é que sabe o que tem no miolo?


─ Em primeiro lugar, Teodorico, nem sempre eu guardo. Às vezes dou aos amigos, quando há alguma coisa que possa interessar a eles.


─ Mas como sabe que pode interessar, se não leu?


Esclareço a Teodorico que não leio de ponta a ponta, mas sempre abro ao acaso, leio uma página ou umas linhas, passo os olhos no índice, e concluo.


Meu crédito diminui sensivelmente a seus olhos. Não lhe passaria pela cabeça receber qualquer coisa do correio sem ler inteirinha.


─ Mas, Teodorico, quando você compra um jornal se sente obrigado a ler tudo que está nele?


─ Aí é diferente. Eu compro o jornal para ver os crimes, o resultado do seu-talão-vale-um-milhão etc. Leio aquilo que me interessa.


─ Eu também leio aquilo que me interessa.


─ Com o devido respeito, mas quem lhe mandou o livro desejava que o senhor lesse tudinho.
─ Bem, faz-se o possível, mas...


─ Eu sei, eu sei. O senhor não tem tempo.


─ É.


─ Mas quem escreveu, coitado! Esse perdeu o seu latim, como se diz.


─ Será que perdeu? Teve satisfação em escrever, esvaziou a alma, está acabado.


A idéia de que escrever é esvaziar a alma perturbou meu carteiro, tanto quanto percebo em seu rosto magro e sulcado.


─ Não leva a mal?


─ Não levo a mal o quê?


─ Eu lhe dizer que nesse caso carece prestar mais atenção ainda nos livros, muito mais! Se um cidadão vem à sua casa e pede licença para contar um desgosto de família, uma dor forte, dor-de-cotovelo, vamos dizer assim, será que o senhor não escutava o lacrimal dele com todo o acatamento?


─ Teodorico, você está esticando demais o meu pensamento. Nem todo livro representa uma confissão do autor, ainda ontem você me trouxe uma publicação do Itamaraty sobre o desenvolvimento da OPA, * que drama de sentimento há nisso?


─ Bem, nessas condições...


─ E depois, no caso de ter uma dor moral, escrevendo o livro o camarada desabafa, entende? Pouco importa que seja lido ou não, isso é outra coisa.


Ficou pensativo; à procura de argumento? Enquanto isso, eu meditava a curiosidade de um carteiro que se queixa de carregar muitos livros e ao mesmo tempo reprova que outros não os leiam integralmente.


─ Tem razão. Não adianta mesmo escrever.


─ Como não adianta? Lava o espírito.


─ No meu fraco raciocínio, tudo é encadeado neste mundo. Ou devia ser. Uma coisa nunca acontece sozinha nem acaba sozinha. Se a pessoa, vamos dizer, eu, só para armar um exemplo, se eu escrevo um livro, deve existir um outro ─ o senhor, numa hipótese ─ para receber e ler esse livro. Mas se o senhor não liga a mínima, foi besteira eu fazer esse esforço, e isso é o que acontece com a maioria, estou vendo.


─ Teodorico! Você... escreveu um livro?


Virou o rosto.


─ De poesia, mas agora não adianta eu lhe oferecer um exemplar. Até segunda, bom domingo para o senhor.


─ Escute aqui, Teodorico...


─ Bem, já que o senhor insiste, aqui está o seu volume, não repare os defeitos, ouviu? Esvaziei bastante a alma, tudo não era possível!


[1959]

Carlos Drummond de Andrade


(ANDRADE, Carlos Drummond. Sondagem. In: Werneck, Humberto (org.). Boa Companhia: crônicas. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, pp. 31-33.)


* Operação Pan-Americana, criada no governo Juscelino Kubitschek (1956-61), com a ambição ─ malograda ─ de congregar os países das três Américas.