terça-feira, 8 de novembro de 2011

O enterro

Tenho com a morte uma relação respeitosa, mas que não ultrapassa a inevitável certeza de que, um dia, nos encontraremos, nada mais que isso. De minha parte, alimento a expectativa de continuarmos assim, sem chance de qualquer prévia conciliação. Não me meto com ela embora não possa dizer o mesmo de sua parte. Ultimamente, tenho percebido discretos piscares de olhos, às vezes, até um aceno, tentativa vã de uma aproximação menos ruidosa.

Mantenho com a indesejada das horas considerável distância de tudo que possa, ao menos, lhe ser associado. Há anos que sequer visito o cemitério ou participo de funeral, até o dia em que o amigo “Coquinho” resolveu partir antes da hora combinada e sem avisar aos amigos. Não estava em meus planos participar do sepultamento de mais ninguém, afora o meu próprio, claro.

Toda aquela comoção e o ambiente que cercam as exéquias sempre conseguiram, de certa forma, me deixar alheio e deslocado ante o formalismo e a dor de toda a liturgia de velação do defunto.

O certo é que, depois de longos anos, estava eu novamente enterrando alguém. O “Coquinho” era um velho amigo que há décadas não o via e julguei ser justo lhe fazer essa deferência, passando por cima da velha promessa de me manter distante desse tipo de “solenidade”.

Cuidei então de chegar cedo a central de velórios e me desobrigar do compromisso debulhando três ou quatro ave-marias em ação de graça ao insepulto:
- Boa noite a todos! Silêncio sepulcral. Ninguém respondeu. Também pudera: como desejar “boa noite” numa situação daquelas? Refiz-me da gafe dita solenemente em alto e bom som e me aproximei de uma distinta senhora, séria, alta, bem vestida e de óculos escuros que acendia algumas velas em torno do ataúde posto estrategicamente no centro da sala: - Meus pêsames, senhora. Disse. Ao que ela me respondeu de pronto: - Obrigada, mas eu sou a proprietária da funerária, não conheço o morto!

Não foi difícil deduzir que as forças da natureza, desse e do outro mundo, estavam de sacanagem comigo. Procurei então portar-me em silêncio respeitoso. Estaria isento do cometimento de mais deslizes. Posicionei-me discretamente por trás do que, a princípio, julguei ser uma das portas laterais da nave da capela. Ledo engano, era a tampa do ataúde que eu acabara de derrubar por cima do caixão, quebrando-a ao meio.

Não contei conversa, rapidamente pus-me em pé, depositei minhas desculpas e expensas e saí dali apressadamente, sem tempo sequer de deixar com o “Coquinho” minhas três ave-marias.

Nunca mais vou a um enterro. Nem ao meu. Se quiserem, os amigos que me levem!


Teófilo Júnior