sábado, 13 de julho de 2013


“O ideal básico de um cronista é registrar o circunstancial, normalmente relacionado ao cotidiano, fato acentuado no Modernismo, já que o gênero da crônica literária trabalha com a possibilidade de tornar mais intensa uma experiência vivida ou percebida através de uma narrativa, tentando ser fiel às circunstâncias, tornando o texto uma unidade significativa, mesmo que observada pelo olhar pessoal e fictício do escritor.”
 
      “[...] No Jornalismo contemporâneo, a crônica atua como uma sessão do veículo de comunicação que trata de um assunto específico, como política, esportes ou cultura, neles exibindo a urgência do formato (pequeno espaço, elaboração diária) enquanto recurso jornalístico.
 
      “Muitas vezes, as variações entre a crônica literária e a jornalística se misturam e como a crônica normalmente ocupa um espaço diário ou semanal nos veículos de comunicação — especialmente os jornais e as revistas —, seu texto está voltado para um formato que exige uma leitura rápida, ágil, e que neste curto espaço precisa chamar a atenção do leitor para os pequenos fatos do cotidiano.”
 
      “‘[...] fragmentária (e essa é a sua força), pois não pretende captar a totalidade dos fatos’ [...]”.
 
      “‘[...] sua sintaxe lembra alguma coisa desestruturada. Solta, mais próxima da conversa entre dois amigos do que propriamente do texto escrito. Dessa forma, há uma proximidade maior entre as normas da língua escrita e a oralidade, [...] mas recriada. O coloquialismo, portanto, deixa de ser a transcrição exata de uma frase ouvida na rua, para ser a elaboração de um diálogo entre o cronista e o leitor’ [...]. (SÁ, 2005, p. 10-11)”
 
      “Deve ser lembrado o fato que o Modernismo (séculos XX e XXI) admite a fusão de gêneros, o que dá origem a novas possibilidades de entendimento sobre a crônica, que se aproxima diversas vezes de outra tipologia textual literária, o Conto, devido à existência de elementos comuns a ambos (narrativa curta, quantidade pequena de personagens, um só núcleo de ações).
 
      “No entanto, na crônica o essencial passa pelas circunstâncias do enredo, isto é, o acontecimento do cotidiano que poderia passar, relegado ao esquecimento por ser considerado ‘irrelevante’, algo que possa passar despercebido para as pessoas de uma forma geral, mas que para a sensibilidade de cronista serve para retratar uma parte do cotidiano. [...]”

 
 
(Guia literatura UFRN 2012, Alexandre Alves, Natal (RN): Editora Sol, 2011, pp. 11-13.)

O PF da literatura em Paraty

Para você que está na Flip: faço bate-papo neste sabado, 16h30, com mediação de André Barcinski, colega de blog aqui ao lado. A conversa é na Casa da Folha, rua da Matriz s/n, Paraty. É de graça. O tema é a arte da crônica.
 
Deixo aí uma receita frugal deste gênero que é o PF, arroz, feijão e bife da literatura. Com um ovo por cima, evidentemente. Só para aquecer o debate:
 
Algumas saem fáceis, menina, como aquelas de Rubem Braga, como uma polaroid, uma pose digital, olha o passarinho, diga xis, um sabiá teimando contra o barulho da metrópole, fáceis como beijos roubados de mulheres difíceis, na dança, na pista, uma moleza, como empurrar bêbado em ladeira, como Vinícius no elogio de uma saboneteira, como descer para um café ou uma cerveja aqui na esquina da Augusta, como quem costura para fora, mesmo sabendo quanto custa a mais-valia da musa da encomenda, mesmo sabendo que na vida não tem almoço de graça, muito menos sobremesa, mesmo sabendo que a vida não é café pequeno, mesmo sabendo que no fundo da xícara, na borra mais árabe, o desenho do futuro, Etelvina, é obscuro, o jogo do bicho, Etelvina, ainda não permite o teu luxo.
 
Algumas, menina, são crônicas de britadeiras, saem na marra, à força, furando o asfalto para tirar uma florzinha de nada, a peleja do escriba com o lirismo que não chega nunca, as chagas abertas, croniquinha raquítica, só o fiapo de narrativa, sem sustança, sem tutano, coisinha sem graça, metalingüística, a crônica sobre a crônica falta de assunto.
 
Algumas vêem ao mundo para confundir a audiência, são crônicas-travestis, arte dos cronistas transgêneros… Pois é, menina, a gente não sabe se é um conto, uma rápida elegia expressionista, um poema em prosa, sabe-se lá, menina, mas mesmo não sendo nada já nasceram crônicas.
 
Algumas, não têm jeito, eram apenas notícias, que o dedógrafo teimou em decepar as aspas, minha menina, e enfeitar o naturalismo como pôde, coitado.
 
Algumas, menina, são para ninar as moças nas sestas, como as de Antônio Maria, sabia?
 
Algumas são de costumes, e até ficam como registros históricos, crônicas de épocas, já ouviu falar em João do Rio?
 
Algumas já nasceram crônicas de rua, como a grande arte de chutar tampinhas, como os sem-teto e malacos, como os bambas das sinucas das antigas, aí já estamos em João Antônio, manja?
 
Algumas são do amor louco, menina, como aquelas do velho Charles, o safado catando milho na Remington, menina, com aquela outra menina na praia, gaivotas quase a bicar-lhe os peitos, como no cinema.
 
Algumas, minha adorável criatura, minha menina sem nome, são como aquelas, lembra, quando me conheceste, lembra, quando pela primeira vez lindamente me deste.

 
Xico Sá