quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Fragmentos teóricos sobre crônicas

1º) “(...) capta a solenidade que existe no cotidiano e, ao destacar uma imagem ou uma cena, descobre nela uma humanidade insuspeitada.” (Orelha da capa do livro A vida por viver, Affonso Romano de Sant’Anna, Rocco, 1997.)
“(...) O ponto-e-vírgula torna a frase mais sutil e maleável; só os cronistas consumados chegam lá.” (Pág. 279.)
“Como vê o leitor, o exercício da crônica tem estranhos sortilégios: não apenas o cronista pode ser um eco do leitor, escrevendo um texto que sendo seu pertence ao outro, mas diante de certos fatos ele fica prisioneiro do próprio texto, porque a realidade a que se refere não muda.” (Pág. 285.)

2º) “(...) é o próprio autor quem, num dos textos desta seleção, define a origem do gênero como um encontro de vizinhas a escarafunchar as ocorrências do dia.”
“(...) até ciscar questões filosóficas, sem ferir a normalidade dos fatos”. (“Na poltrona com Machado”, Fernando Paixão. In: Machado de Assis, Fuga do hospício e outras crônicas. Para Gostar de Ler, vol. 26, Ática, 2002, p. 3.)
“(...) Logo se percebe o quanto no dia-a-dia (da política, dos hábitos, das idéias prontas) as cenas do homem civilizado compartilham um sabor de comédia e insensatez.” (Pág. 4.)

3º) “(...) O cronista também precisa respeitar certas convenções e limites mas está livre para produzir seus ovos em qualquer formato.” (Luís F. Veríssimo, “Crônica e ovo”. In: −. O nariz e outras crônicas. Para Gostar de Ler, n. 14, Ática, 11. ed., 3ª impressão, 2004, p. 8.)

4º) “(...) Borboleta, bigode, piada, joelho, tudo serve para conversar. A crônica tem a seriedade das coisas sem a etiqueta. Um cronista de verdade (não eu, aprendiz) devia pedir aos críticos para deixarem a crônica em paz: nada de análises estilísticas. A crônica é a literatura sem pretensão, que não se bate com a morte: sai do casulo, voa no sol da manhã (a crônica é matutina) e, antes que o dia acabe, suas asas desfeitas rolam nas calçadas. Há quem as recorte e as pregue carinhosamente em álbuns. Mas isso é entomologia, não é crônica.” (Ferreira Gullar, “Crônica”. In: −. O menino e o arco-íris e outras crônicas. Para Gostar de Ler, n. 31, Ática, 1. ed., 4ª impressão, 2003, p. 5.)

5º) “Crônica: É um gênero textual em que se apresentam fatos do cotidiano com uma linguagem geralmente informal, levando o leitor a refletir.
“(....) crônica, ou seja, uma narrativa condensada que focaliza um flagrante da vida pitoresco e atual, real ou imaginário com ampla variedade temática. Normalmente, veiculada em jornais ou revistas, a crônica está na fronteira entre texto literário e não literário. Sua linguagem costuma ser subjetiva e coloquial e, sua ação, rápida e sintética. Seus personagens, se comparados com os do conto, têm menos densidade e características psicológicas mais superficiais. Embora predomine as seqüências narrativas, a crônica também pode apresentar textos dissertativos.
(....)
“Esteja a crônica voltada para o âmbito jornalístico ou apresente caráter literário, ela costuma surpreender pelo desprendimento com que são tratados os fatos, em geral relacionados ao cotidiano, a temas atuais.” (...) (Oficina de Redação, Leila L. Sarmento, Editora Moderna, 2006, p.207.)

6º) “Crônica, vamos dizer assim, é um texto a cavalo. Mantém um pé no estribo da literatura. E outro no do jornalismo. Bem estribada desse jeito, tem conseguido vencer belas provas mesmo correndo em pista pesada.
“Você sabe o que é pista pesada? É quando a pista de areia – ou seria saibro? – está molhada, tornando mais difícil e cansativa a corrida.
“Pois bem, a crônica corre em pista pesada porque lida ao mesmo tempo com as coisas mais ásperas, como economia e política, as mais dramáticas, como guerras, violência e tragédia, e as mais poéticas, como um momento de beleza ou uma reflexão sobre a vida. E o bom cronista é aquele que consegue o melhor equilíbrio entre esses elementos tão diferentes, entrelaçando-os e alternando-os com harmonia.
“Pode parecer que o cronista faz biscoitos, ou seja, coisinhas pequenas com algum açúcar por cima. Mas na verdade, a crônica é uma tessitura complexa.
“Pois o cronista sabe que não está escrevendo só naquele momento, naquele dia, para aquela rápida publicação no jornal ou revista, mas está falando para um leitor que, na maioria das vezes, voltará a ele, que o acompanhará, somando dentro de si as crônicas lidas e vivendo-as, no seu todo, como uma obra maior.
“O leitor tem expectativas em relação ao ‘seu’ cronista. Espera que diga aquilo que ele quer ouvir, e que, ao mesmo tempo, o surpreenda. Mas o cronista desconhece essas expectativas e, ao contrário do publicitário que trabalha voltado para o perfil do cliente potencial, trabalha às cegas.
“Às cegas em relação ao leitor, bem entendido. Como preencher então as expectativas? Eu, pesssoalmente, acho que a melhor maneira é não pensando nelas. O leitor escolhe o cronista porque gosta do seu jeito de pensar e de escrever, e o cronista justifica mais plenamente essa escolha continuando a ser quem ele é.
“Eu comecei a fazer crônicas quando muito jovem, logo no início da minha carreira de jornalista. Mudei bastante ao longo do percurso. Antes era movida a emoção, escrevia de um jato, qualquer assunto me servia. Hoje sou mais reflexiva, afinei o olhar, preocupo-me muito com a qualidade das idéias. Mas aquela paixão que eu tinha no princípio continua igual. Hoje como ontem, toda vez que me sento para escrever uma crônica é com alegria. (“Um texto a cavalo”, Marina Colasanti. In: -. A casa das palavras e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1ª ed., 2002, p. 5, Para Gostar de Ler, vol. 32.)

7º) “A crônica é o espaço em que o escritor transita pelo cotidiano, discute eventos, opina, reivindica, ironiza, evoca, conta casos, experimenta escritas, expõe emoções. Lirismo, humor, indignação, meditação – tudo vale. Ela não é uma forma, como o soneto, e não é um gênero, como o conto; na verdade, há crônicas que são dissertações, outras são poema em prosa, outras são pequenos contos. Pode-se imitar o que Mário de Andrade disse sobre o conto: ‘crônica é tudo o que o autor chama de crônica’. Nascida na imprensa, ela ocupa uma coluna de jornal ou uma página de revista; seu universo é tudo o que possa interessar ao leitor de periódicos.
“Muitas vezes o escritor usa aquele espaço para testar o efeito de um texto que depois incluirá em uma obra maior. O cronista Machado de Assis fez isso. Fernando Sabino fez. Eu já fiz.” (“Ler com prazer e espírito leve”, Ivan Ângelo. In: - O comprador de aventuras e outras crônicas. São Paulo: Ática, 2ª ed., 2003, p. 7, Para Gostar de Ler, vol. 28.)

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