terça-feira, 23 de outubro de 2007

Triálogos


No Brasil, poesia e informação

Depois de ter conquistado a França, a crônica veio para o Brasil. Era chamada de folhetim (assim como capítulos inteiros de romances) e ocupava o espaço livre de rodapé do jornal com ares de leitura de entretenimento. Era uma pequena pausa para descanso do leitor em meio a tantas notícias e reportagens que já preenchiam as páginas dos jornais. José de Alencar, Machado de Assis, Raul Pompéia, Aluísio Azevedo, entre outros grandes nomes da literatura brasileira, foram folhetinistas do século passado.A imprensa brasileira no século XIX era lida somente pelos homens de governo e pela elite intelectual. O folhetim representou no Brasil a abertura dos jornais para novas camadas sociais. Crônicas e romances, com roupagem de folhetim, representaram a expansão da imprensa naquela época. Mas tratava-se de um gênero popular, e por isso era menosprezado por diversos escritores. O folhetim que deu origem à crônica foi o de variedades, que apresentava registros e comentários sobre a vida cotidiana na sociedade. Os folhetinistas criavam um vínculo entre escritor, leitor e obra. O primeiro deveria ter estilo e ser criativo, o segundo deveria seguir as histórias do primeiro e a terceira, a obra, interagia tanto com o escritor quanto com o leitor. Daí a relação direta que cronistas da atualidade, como Carlos Heitor Cony, ainda cultivam com o público.A seção A Semana, inaugurada no Jornal do Comércio em 1852, é considerada um marco na definição da crônica brasileira. Joaquim Manuel de Macedo escrevia crônicas sobre a cidade e sociedade do Rio de Janeiro no século XX. Poucos anos depois, o escritor Paulo Barreto modernizou a crônica ao sair às ruas para exercer o jornalismo de forma inédita. Nas suas crônicas ficaram para trás o comentário imaginativo, a subjetivação e a recriação do real. Nascia o gênero “crônica brasileira”. No Brasil, o termo “crônica” se situa entre o relato poético da realidade e a informação da atualidade. Não se encontra um gênero equivalente à crônica brasileira na produção jornalística ou literária de outros países. “Crônica”, no jornalismo mundial, é fiel ao seu uso na Idade Média, estando mais ligado à idéia de narração histórica.Como outros gêneros literários, a crônica, gênero híbrido de jornalismo e literatura, também sofreu influências do Modernismo no Brasil. Nas duas primeiras décadas do século XX, período pré-modernista, a literatura brasileira se dividiu em duas correntes diferentes: uma, conservadora, estreitamente ligada ao parnasianismo; outra, mais livre, já contendo em si o embrião da estética literária inovadora que se consolidaria na Semana de 22. Humberto Campos e Coelho Neto, cronistas de estilo rebuscado, dividiram espaço na imprensa com as crônicas de linguagem e estilo simples dos seus contemporâneos João do Rio e Lima Barreto. A crônica, na mão dos que apoiavam a revolução modernista, transformou-se em arma de luta. Irreverente e despojada dos elementos retóricos da linguagem acadêmica, a crônica dos modernistas era recheada de críticas e impressões pessoais.A Semana de Arte Moderna de 1922 levou a literatura se aproximar da realidade nacional e fez a imprensa brasileira adotar a linguagem simples e clara. O cronista escrevia para um público leitor crescente e cada vez mais exigente. Na década de 30, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga, com seus estilos diversos, dão uma caracterização especial à crônica.
De acordo com José Marques de Melo, no seu livro A Opinião no Jornalismo Brasileiro, a crônica moderna mantém o tom de “conversa fiada”, mas passa a usar a notícia e o imediatismo jornalístico. Diversos cronistas, mediadores literários entre os fatos e os leitores, se inspiravam nos jornais e faziam das matérias jornalísticas temas para suas crônicas. Assim, a crônica moderna, produto do jornal e produzida para o jornal, torna-se, segundo o autor, um gênero eminentemente jornalístico. E como acontece com uma matéria jornalística ou uma notícia, ela também pode “envelhecer”. Como também, na medida em que o acontecimento do qual trata se distancia no tempo, o seu valor factual se perde enquanto cresce o seu valor histórico. Mas isso não afeta a sua natureza literária. Originária do folhetim, a crônica tem em sua essência a arte da palavra e o objetivo de observar os acontecimentos cotidianos com certa dose de lirismo.
Saiba mais:
Encyclopaedia Britannica do Brasil;A Crônica, de Jorge de Sá, Série Princípios, ed. Ática;Crônica - História, teoria e prática, de Flora Bender e Ilka Laurito, ed. Scipione;A crônica na imprensa brasileira atual, Trabalho de Conclusão de Curso de Comunicação Social de Mirian Cristina da Cruz na Universidade Estadual de Londrina;Crônica, uma crônica de Ivan Lessa (http://www.bbcbrasil.com.br);Revista Cult n° 45;Revista Imprensa n° 100, 1996;A Crônica - O Gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil, Organização Fundação Casa de Rui Barbosa, ed. da UNICAMP;Proleitura nº 20, junho de 98- Revista do curso de Letras da Unesp;A Opinião no Jornalismo Brasileiro, de José Marques de Melo, ed. Vozes

Priscila Fernandes

Um comentário:

Girotto disse...

Adoro crônicas. Fiquei feliz em encontrar seu blogue. Além de informativo, traz textos excelentes.

Voltarei sempre.

Felicidades.